quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Decisão Polêmica

UOL Notícias

Cotidiano

13.02.2012 - 22h06

Justiça nega pedido de dona e determina eutanásia de cão com leishmaniose

Aliny Gama

Do UOL, em Maceió



A Justiça do Rio Grande do Norte decidiu que um cão que tem leishmaniose visceral deve ser sacrificado pelo Centro de Zoonoses de Mossoró, a 278 km de Natal, mesmo à revelia da proprietária, que se comprometeu em tratar a doença e cuidar do animal.

Apesar de especialistas afirmarem que existe tratamento para a doença, a cura ainda não é comprovada. Veterinários dizem que o Ministério da Saúde os proíbe de tratar animais com a doença, e recomenda a eutanásia como única alternativa para animais infectados.

O cachorro mestiço de poodle e vira-lata, chamado Branquinho, foi retirado da casa da proprietária, Ana Valda do Monte, por determinação do Centro de Zoonoses, em maio de 2011.

A proprietária recorreu da decisão de sacrificar o cachorro, mas teve o pedido negado pela Justiça. A notificação da decisão ocorreu nesta segunda-feira (13). A determinação causou protestos de entidades de defesa dos animais, que consideram a eutanásia desnecessária para casos de leishmaniose.

Segundo a decisão do juiz da 2ª Vara Cível de Mossoró, José Herval Sampaio Júnior, a doença foi confirmada por meio de um exame e duas contraprovas no cachorro. Um laudo apresentado no processo aponta que o tratamento com medicamentos, como queria a proprietária, apenas minimizaria os sintomas da doença, mas deixaria o cão como “repositório dos protozoários responsáveis pela doença.”

A proliferação da doença em Mossoró tornou-se um problema para as autoridades públicas. Em 2009, o MP (Ministério Público) recomendou à prefeitura providências urgentes para conter a doença, que havia infectado mais de 30 pessoas no ano anterior. Entre as medidas estava o uso da “carrocinha” para capturar e sacrificar animais com a doença. Desde então, todos os animais com a doença passaram a ser sacrificados na cidade.

O juiz disse que levou em conta os princípios da precaução e da dignidade humana para evitar riscos para a sociedade. “Pessoalmente inclusive fico bastante chateado em ter que autorizar a execução de um animal, que não deve estar fazendo, diretamente, mal a ninguém, pelo contrário, deve fazer muito bem a sua proprietária. Porém, infelizmente, a doença que o mesmo contraiu põe em risco toda a população da região”.
Defesa vai recorrer

A advogada Edna Noberto, que defende a proprietária do animal, afirmou que vai recorrer da decisão “porque o cachorro não apresenta sintomas” da doença.

“A dona do cachorro contesta o resultado dos exames realizados em Minas Gerais a pedido do Centro de Zoonoses. Ela acredita que tenha ocorrido uma troca dos resultados. São centenas de exames que esses laboratórios realizam e erros podem ocorrer e tirar a vida de um animal sadio”, explicou.

Segundo a advogada, a dona do cachorro também se comprometeu a oferecer tratamento veterinário, além de adquirir uma coleira especial que espanta os mosquitos.

“É mais fácil sacrificar um animal do que dar chance a ele de se recuperar e viver normalmente. O tratamento é caro, e o poder público sabe que vai ter de custear”, acrescentou.
Entidade questiona; veterinário defende

A defensora dos direitos dos animais, Erenice Knopik Angelim, questionou a decisão da Justiça e afirmou que já curou vários animais com a doença abandonados nas ruas. Ela é fundadora da ONG (Organização Não-Governamental) Pata Amada, em Natal, que trata animais doentes encontrados nas ruas.

Segundo Angelim, existe a cura para a leishmaniose, mas como o tratamento é “caro, o governo proíbe e determina logo a eutanásia.” “Só aqui na minha frente tem três cães que estão curados. Conseguimos depois de muita persistência, com ajuda de veterinários e de medicação, que eles se curassem. Eles estão sadios e com os pelos brilhantes e lindos”.

Já a médica veterinária Silene Lima afirmou que a decisão da Justiça foi correta porque a cura da doença ainda não acontece em 100% dos casos, e, por isso, quando a doença é comprovada por exames, o animal deve ser executado para evitar riscos de contaminação de outros animais e de seres humanos. “Infelizmente é uma vida que é ceifada, mas é para preservar saúde das pessoas, moradoras da região em que ocorreu a doença”.

Para ela, a eutanásia nesses casos é uma questão de “saúde pública”. “Nós, médicos veterinários, somos proibidos de tratar um animal com leishmaniose. Existem medicamentos que diminuem os sintomas e até podem curar o animal, mas o tratamento ainda não é confiável. É um assunto ainda a ser muito discutido na área.”

Em artigo sobre condutas para tratamento da leishmaniose, o veterinário Vitor Márcio Ribeiro, da Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis, de Minas Gerais, defende que os cães sejam tratados, mas com cuidados específicos. “O tratamento canino não obtém em geral a cura, mas pode oferecer uma boa qualidade de vida e maior longevidade aos animais afetados. Este procedimento exige dos proprietários dos cães um compromisso de cuidados especiais com os animais infectados e também do ambiente onde vivem".

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